sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Cine Dica: Em Cartaz: Pela Janela



Sinopse: Rosália é uma operária de 65 anos que dedicou a vida ao trabalho em um fábrica de reatores da periferia de São Paulo. Ela é demitida e, deprimida, é consolada pelo irmão José, que resolve levá-la a Buenos Aires em uma viagem de carro.


Ao ficarmos presos ao sistema, como se fôssemos uma engrenagem sempre no mesmo lugar, acabamos nos tornando então dependentes de uma rotina ou de um sonho interminável e do qual não conseguimos acordar. Porém, uma vez que acordamos dessa situação, nos sentimos impotentes perante uma realidade crua, cujo seu futuro acaba se tornando opressor e cada vez mais indefinido. Em tempos sombrios e inquietantes dos quais o Brasil vive atualmente, é impressionante como o filme Pela Janela, mesmo com toda sua simplicidade, tenha se tornado uma representação sobre esses tempos temerosos, mas nos dizendo que sempre há ali um fio de esperança para ser então abraçado.
Dirigido e roteirizado pela estreante Caroline Leone, acompanhamos a história de Rosália (Magali Biff), veterana operária de uma fábrica de reatores da periferia de São Paulo. Embora seja a melhor no que faz, Rosália acaba sendo despedida e caindo numa temível depressão. Porém, o seu irmão José (Caca Amaral), precisa viajar até Bueno Aires para trabalho, mas vendo Rosália da forma como ela se encontra, decide então levá-la e iniciando uma viagem de inúmeras descobertas.
Embora o velho subgênero roadie movie seja o pano de fundo que mova a história, é nas cenas perfeccionistas da cineasta Caroline Leone que faz com que o filme tenha vida própria. Minuciosamente conhecemos Rosália pela forma como ela se organiza, tanto no trabalho como em casa, onde a câmera da cineasta foca cada detalhe da maneira como ela administra essa sua rotina. Contudo, a partir do momento em que a protagonista perde o emprego, a câmera da cineasta tenta extrair todo o negativismo da situação, cujo teor sombrio da fotografia que imunda a tela, acaba então que se tornando uma representação de um olhar embaçado da protagonista que não consegue mais enxergar vida em sua volta.
Embora tudo isso aconteça em poucos minutos no início da trama, é impressionante como então sentimos o peso da situação. Aliás, muito disso se deve não somente pelo belo trabalho da cineasta Caroline Leone, como também do trabalho feito de corpo e alma da atriz Magali Biff. Saída do teatro, mas vista em filmes como O Jogo das Decapitações, Biff deixa se levar pela situação de sua personagem, ao ponto de conseguir passar a partir seu olhar toda a dor, a falta de perspectiva da qual a sua personagem carrega e nos brindando com uma das grandes atuações que eu testemunhei nesse início de ano.
Porém, o melhor está por vir quando a dupla de irmãos pega o pé na estrada e se encaminhando por territórios que os fazem enxergar uma realidade até então desconhecida. É aí que a câmera de Caroline Leone se torna uma espécie de terceira pessoa, onde ela sempre se encontra atrás dos protagonistas, como se ficasse numa posição de expectativa com relação ao que irá acontecer a seguir. É nesse ponto, aliás, que entra em cena o cenário das Cataratas do Iguaçu.
Dentro da trama, o cenário é visto num primeiro momento pintado num quadro dentro de um hotel, onde a protagonista tem um pequeno vislumbre daquele cenário, mas desejando que aquilo se tornasse então uma janela e da qual ela pudesse atravessá-la. A partir da boa vontade de seu irmão, a dupla se encaminha para o cenário do qual Rosália tem uma espécie de purificação, a partir de momento que encara as gigantescas paredes de água descendo a poucos metros de sua direção. Sem nenhum uso de efeito digital, ou tão pouco de 3D, Caroline Leone cria desde já um dos mais impressionantes momentos do cinema brasileiro dos últimos tempos e, sinceramente, não estou nenhum pouco exagerando, pois basta testemunhar aquilo para concordar com o que estou dizendo.
Após essa passagem deslumbrante, o filme se encaminha num cenário familiar, porém, com características das quais só se encontram na Argentina. Em meio a costumes e velhas tradições, é curioso observar algumas figuras presas em suas rotinas, seja num trabalho insípido, ou simplesmente presos aos seus aparelhos celulares. Porém, após o batismo das cachoeiras, Rosália se torna um ar de frescor para aquele cenário e do qual se desperta gradualmente devido a sua presença: a cena em que seu irmão toca um violão e ela começa a cantar sintetiza esses momentos como um todo.
Como todo bom roadie movie que se preze, o ato final se encaminha para um cenário em que os dois protagonistas já tem uma ideia dos seus caminhos a trilhar, mas resta saber em qual direção eles terão que escolher. Cheio de simbolismo no decorrer do filme, um quadro é visto como uma janela, cuja então a janela se torna uma opção de fuga para uma nova vida. Não há palavras, ou tão pouco se vê as escolhas de ambos, mas desejamos que a cruzada desses protagonistas continuasse posteriormente em nossas memórias. 
Desde já, Pela Janela é um dos melhores filmes do nosso cinema recente, pois nos encoraja a despistar dos percalços da vida e abraçar uma possível redenção da qual se encontra muito além do que a gente enxerga no nosso dia a dia.   



NOTA: O filme teve uma sessão especial ontem (18/01/18) na Cinemateca Capitólio de Porto Alegre e irá estrear oficialmente dia 01 de fevereiro no Cinebancários as 17horas na mostra Vitrine Petrobras.



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