quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Cine Dica: Em Cartaz:Visages Villages / The Post - A Guerra Secreta

Visages Villages

Sinopse:O documentário retrata uma experiência fotográfica e cinematográfica de duas grandes pessoas conhecidas por questionarem a cultura da exibição das imagens: Agnès Varda, cineasta, e JR, fotógrafo e criador de galerias e exposições fotográficas ao ar livre. Juntos, viajam por algumas regiões da França, bem longe dos centros urbanos, com um caminhão que captura imagens de forma mágica.

O subgênero rodadie movie (filme de estrada) é o preferido de inúmeros cinéfilos, pois na maioria das vezes, a viagem em que os protagonistas embarcam é apenas uma mera desculpa para que eles consigam mudar algo em suas próprias vidas.  Seja comédia, ação, ou drama, as histórias de estrada são sempre deliciosas e fazendo com que a gente não deseje que o filme acabe tão cedo. De uma forma rara, Visages Villages é um documentário que usa um pouco desse subgênero, para nos revelar algumas regiões da França a partir de um olhar mais artístico de dois protagonistas distintos, mas que possuem no fundo muita coisa em comum.
Dirigido por Agnés Varda (As Duas Faces da Felicidade), o documentário acompanha os passos da própria cineasta, da qual decide viajar por algumas regiões da França, explorar um pouco de suas culturas e histórias. O companheiro de sua viagem é JR, fotógrafo e criador de galerias e exposições fotográficas ao ar livre. Juntos eles visitam inúmeras cidades, onde então eles pincelam inúmeras paredes de determinados locais e colocando um pouco ali histórias que não se devem ser esquecidas. 
Sendo uma dos pilares da Nouvelle Vague Francesa, Agnés Varga carrega muita história para ser contada, seja sobre a carreira cinematográfica ou com relação a sua vida pessoal. Em ambos os casos eles meio que acabam se fundindo, principalmente quando o primeiro ato do documentário se entrecorta entre o presente e o passado e onde a testemunhamos em seus tempos de glória ao lado dos seus amigos. Aliás, mesmo não estando presente no decorrer do filme, Jean-Luc Godard é uma presença constante na obra, pelo fato de Agnés e ele terem tido uma forte amizade no passado, mesmo quando os atritos se elevassem em alguns momentos de suas vidas.
A imagem do gênio cineasta também é sentida na presença do próprio fotografo JR que acompanha Agnés nessa jornada e que, curiosamente, possui um visual até mesmo parecido. Se isso foi proposital ou não isso acaba se tornando meio que descartado ao longo do percurso, principalmente pelo fato da cineasta conseguir nos atrair para sua proposta principal, que é resgatar as inúmeras histórias de lugares através do seu talento e de JR. Os resultados são de inúmeros momentos em que o trabalho de ambos enche a tela e fazendo com a gente conheça um pouco mais do universo de cada um das pessoas que eles visitam.
A primeira parada da dupla já da uma dica do que estará por vir. Eles param num condômino que é ameaçado em ser demolido e lá eles conhecem, não somente a história de uma senhora de idade, como também de seus familiares e vizinhos trabalhadores. Ao por as mãos na massa, Agnés e JR usam o seu talento e criando imensas fotos para serem coladas nas paredes do condomínio e das quais contam um pouco da história daquele lugar cheio de significado.
O filme se torna incomum não só pelo fato deles compartilharem o talento de ambos para dar uma nova cor aos lugares em que eles visitam como também uma forma de contar um pouco da vida de cada uma daquelas pessoas que eles visitam. Não importa se for uma pessoa rica ou pobre, ou até mesmo de classes diferentes, pois o documentário é um mosaico de inúmeras histórias, onde cada pessoa possui um universo particular a ser compartilhado pelo próximo.  Bom exemplo disso é de um senhor aposentado, do qual vive num pequeno lar humilde em que criou, mas tendo tanto significado e sintetizando velhas histórias das quais se encontram em cada objeto vindo do seu lar.
Em sua reta final, o filme toca em temas como as marcas da vida em que nos deixa, seja fisicamente ou emocionalmente. Agnés não se intimida em se revelar em frente da câmera, ao ponto de compreendemos os seus sonhos, frustrações, além de desejos a serem saciados, mesmo quando a idade não lhe permite isso. JR se torna então seu ombro amigo, do qual ele usa as suas pernas para mover Agnés e fazê-la se lembrar de um passado mais dourado: a cena em que ele a empurra numa cadeira de rodas dentro de um museu sintetiza o lado mais intimo da cineasta sendo descascado.
Voltando a Jean-Luc Godard, o documentário entra em minutos finais de puro suspense, onde a gente crê que iremos testemunhar algo muito pouco visto nos dias de hoje. Porém, devido ao fato de ser uma pessoa reservada, além de opinião extremamente forte, Godard não só nos magoa como também sua própria amiga Agnés, Porém, JR ameniza a frustração dela numa cena intima e pessoal e selando, não somente o filme, como amizade de ambos para sempre. 
Visages Villages é sobre a encruzilhada de inúmeras vidas e das quais são compartilhadas através do talento de duas pessoas criativas e humanas.  

Em Cartaz na sala Guion Center -Rua Lima e Silva 776, bairro Cidade Baixa, Porto Alegre. Horário: 14h15, 17h40, 21h30. 
 

The Post - A Guerra Secreta

Sinopse: Ben Bradlee (Tom Hanks) e Kat Graham (Meryl Streep), editores do The Washington Post, recebem um enorme estudo detalhado sobre o controverso papel dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã e enfrentam de tudo para publicar os bombásticos documentos.
Dirigido pelo mestre Steven Spielberg, o filme é sobre o poder de uma impressa que opta pelo lado imparcial, onde a liberdade jamais pode ser comprada pelos poderosos, mas sim passar todo o seu poder de informação e verdade ao povo. Kay Graham (Meryl Streep) herdeira e diretora do jornal The Post e junto com Ben Bradlee (Tom Hanks) enxergam todos os eventos dos quais podem mudar os rumos de um país e ficam aguardando para que possam publicar a matéria essencial. O problema é que o The New York Times acaba sendo proibido por ordens de Nixon a não publicar informações sigilosas sobre a guerra do Vietnã, mas Kay Graham e Ben Bradlee veem então a oportunidade de conseguir publicar a matéria que trará a visibilidade que eles precisavam para que o The Post se fortaleça.
Resumidamente o filme possui um grande ritmo que nos prende atenção do início ao fim. Além disso, há momentos de tensão dos quais os protagonistas passam a todo o momento, principalmente naqueles protagonizados pela incrível Meryl Streep, que faz com que sintamos o nó na garganta que a sua personagem sente num determinado clímax do filme. Aliás, o papel dela é o coração pulsante da trama, principalmente pelo fato que o filme retrata um período em que  uma mulher na direção de um jornal era ainda muito incomum, sendo que muitas coisas e até mesmo atos de conselheiros do The Post colocavam a tal em situações desconfortáveis.
A atuação de Tom Hanks também não passa despercebida, mesmo quando seu desempenho não soa diferente de seus trabalhos anteriores, mas ao mesmo tempo conseguindo corresponder com proposta principal da obra. O caso que Hanks é um ator funcional em diversos tipos de filmes, seja eles de época ou contemporâneos e sempre passa aquela aura de bom moço e do qual o cinéfilo é rapidamente conquistado. Tanto ele como Meryl Streep possuem uma bela química os dois juntos em cena e fazendo a tela encher de puro talento em abundância. 
The Post - A Guerra Secreta é um filme que nos brinda com uma incrível experiência cinematográfica, pois Steven Spielberg nos joga num época histórica sem prévio aviso, nos fazendo por um momento ficarmos confuso, para logo depois termos total entendimento dos fatos que estão acontecendo. Vale destacar as presenças de Bob Odenkirk (Better Call Saul) e Sarah Paulson (American Horror Story), grandes talentos de séries de tv e agora brilhando na tela grande. The Post - A Guerra Secreta é como se fosse um relógio suíço, cuja suas engrenagens trabalham em conjunto e resultando numa obra que retrata uma época de um jornalismo mais verdadeiro e que não é facilmente comprado.


segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Cine Especial: Clube de Cinema de Porto Alegre: Corpo e Alma



NOTA: Filme exibido para os membros do Clube de Cinema de Porto Alegre no último sábado (27/01/18).

Sinopse: Um homem e uma mulher, colegas de trabalho, passam a se conhecer melhor e acabam descobrindo que eles sonham as mesmas coisas durante o sono. Eles decidem torná-los realidade, apesar das dificuldades no mundo real.
O século 21 está entrando numa fase meio que nebulosa, onde existe a informação com velocidade instantânea, mas fazendo com que cada vez mais as pessoas se separem uma das outras. A solução seria então voltarmos ao passado e nos dar de encontro com o nosso lado mais primitivo para a gente se lembrar do que nos faz humanos? O filme Corpo e Alma, talvez não tenha tal resposta, mas  nos direciona para um ponto seguro para nos fazer questionar para qual caminho devemos trilhar em tempos próximos!
Dirigido pela cineasta Ildiko Enyedi (O meu Século XX), acompanhamos o dia a dia de pessoas que trabalharam num abatedouro. Um dos supervisores chamado Endre (Morcsányi Géza) começa a ter sonhos estranhos, onde neles ele é um cervo e do qual começa a ter a companhia de uma fêmea. Curiosamente, a nova funcionária chamada Mária (Alexandra Borbély) começa a ter o mesmo sonho e fazendo com que ambos tenham uma relação imprevisível.
Em tempos em que a humanidade se encontra num estágio em que está se perdendo cada vez mais o amor ao próximo, o cenário de um abatedouro se torna uma espécie de prova de fogo para ver até que ponto um ser humano pode ser frio perante o horror. Ao testemunharmos animais serem abatidos, para logo depois servirem de alimento para a massa, nos faz então a gente se questionar se não somos nós os verdadeiros animais que deveriam ser então abatidos. Ao vermos o olhar de pavor desses animais antes de seu calvário é de cortar o coração de qualquer um.
Nesse cenário deprimente, há pelo menos pessoas conscientes de que, num lugar como esse, é necessário manter o que ainda tem de humanidade e sentir um pouco da dor que passam esses animais. Mas se existe aqueles que sabem ainda sentir, há também aqueles que não conseguem se relacionar com o próximo de forma alguma. Mária, por melhor que ela seja como pessoa, é uma que não consegue ter uma aproximação normal com os demais colegas, como se o toque humano fosse então um desafio e fazendo com que ela não deseje sair de sua zona de conforto.
Mas, a partir do momento em que ela começa a ter o mesmo sonho que Endre, ambos enxergam nessa situação uma forma de se relacionarem, mesmo que isso seja de uma forma fora do comum. A cineasta Ildiko Enyedi usa então o cenário do sonho como uma espécie de metáfora com relação às relações de hoje, onde as pessoas se sentem cada vez mais confortáveis, por exemplo, numa relação virtual do que ter qualquer tipo de contato físico: a cena em que vemos o casal central se deitarem um do lado do outro, é como se então eles usassem um aparelho imaginário e se interagissem usando os seus avatares em forma de cervos.
Por outro lado, o cenário dos sonhos e com seus cervos, pode ser interpretado como uma forma de elo que nos une novamente a natureza e com que faça que a gente consiga se lembrar do que nos faz realmente humanos. Por mais que o casal central tenta se desprender disso e voltar ao seu comodismo do dia a dia, ambos no fundo sabem que só lhes restam essa forma de acordarem para ambos ou caírem no esquecimento mútuo. Quando finalmente eles têm uma relação carnal no mundo real, ouvimos um som familiar vindo do lado mais intimo e primitivo de Endre e nos dando a entender que ambos encontraram as suas essências primordiais para então sentirem realmente despertos. 
Grande vencedor do festival de Berlim, além de indicado ao Oscar de filme Estrangeiro, Corpo e Alma é um reflexo do mundo de hoje, onde existe uma sensação cada vez maior sobre a falta de toque humano pelo próximo e fazendo a gente se perguntar como então chegamos a esse ponto. 

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