terça-feira, 29 de agosto de 2017

Cine Dica: Em Cartaz: Bingo - O Rei das Manhãs



Sinopse: Nos anos 1980, Arlindo Barreto (Vladimir Brichta) consegue um emprego que o coloca na frente dos holofotes. Sob uma pesada maquiagem, peruca vermelha e roupa de palhaço ele se transforma no apresentador de TV Bingo, que todas as manhãs anima as crianças. Mas longe das câmeras, Arlindo precisa manter sua identidade em segredo e mergulha no mundo das drogas, até que encontra em seu filho e na religiosidade as forças para se reerguer na vida.


Quando eu olho para trás eu vejo um passado mais colorido, ousado e politicamente incorreto. Por ter nascido exatamente em 1980, eu cresci assistindo um tempo em que a TV brasileira não tinha limite em buscar audiência a todo custo, ao ponto de apresentadoras seminuas em programas infantis, ou filmes de terror inadequados para menores exibidos á luz do dia, dominavam a grade da programação aberta. O que eram somente lembranças agora ganha corpo através de Bingo – O Rei das Manhãs que, não só retrata os altos e baixos do interprete de Bozo, como também sintetiza uma década em que todos se lembram com uma alta dose de nostalgia.
Dirigido pelo estreante na direção, o talentoso montador Daniel Rezende (Cidade de Deus), acompanhamos a vida do ator Augusto Mendes (Vladimir Brichta) que vive em decadência quando percebe que os seus filmes do gênero pornochanchada não fazem mais o sucesso como antes. Ele pensa em trabalhar em novelas, porém, sua atenção se volta na possibilidade de ser um palhaço e apresentador de um programa infantil. O sucesso é estrondoso, mas que acaba lhe custando um alto preço, tanto em sua carreira como também em sua vida pessoal.
Inspirado na vida e na obra do ator (atualmente pastor) Arlindo Barreto, que atuou por anos como o inesquecível Bozo (devido a direitos autorais, o personagem aqui se torna Bingo), o filme é um prato cheio para aqueles que cresceram naquele período, quando a TV era mais rica em conteúdo, mas contendo uma ousadia que hoje iria corar qualquer pai de família. Eram outros tempos, em que o Brasil estava aos poucos se livrando da ditadura e de sua famigerada censura, mas se esquecendo por completo do freio de mão. Quase tudo era permitido, ao ponto em que era comum, por exemplo, vermos todos os dias Xuxa pelas manhãs, seminua em meio a inúmeras crianças em volta dela, mas que nunca parávamos para refletir sobre isso.
Era nessa guerra pela audiência de “quem dá mais” é que surge Bozo (ou Bingo) na pele de Arlindo Barreto (ou Augusto Mendes). O filme pode até ter simplificado um pouco os seus primeiros dias como palhaço, mas ao mesmo tempo, sintetiza o sucesso meteórico e colorido que foi tudo aquilo. O filme simplesmente readapta inúmeras situações que fizeram do programa uma verdadeira mania, ao ponto das brincadeiras, os palhaços ajudantes e as verdadeiras saias justas ao vivo (o vai tomar no c.. pelo telefone é clássica) serem fielmente adaptadas e gerando uma verdadeira sensação nostálgica.
Como tudo aquilo era uma verdadeira guerra nos bastidores pela audiência, Daniel Rezende, usando todo o seu talento de anos na área da montagem, cria um filme dinâmico, em que cada sequência de cenas nos transmite uma verdadeira guerra à campal para se conseguir o topo do sucesso. O cineasta consegue também o feito de fazer um belíssimo casamento entre cenas e trilhas sonoras de sucessos que remetem aquele tempo, criando um verdadeiro balé visualmente coreografado, sedutor e com cores vibrantes.
Mas se o cineasta recria o corpo daquela década, Vladimir Brichta se torna o espírito do longa. Visto em filmes recentes e autorais como Real Beleza de Jorge Furtado, Brichta tinha todas as chances de ir muito além do que já apresentava e aqui ele atinge o seu ápice. O seu Augusto Mendes (ou Bingo) é uma entidade da natureza em busca de luz própria, onde não pensa duas vezes ao usar todas as suas energias para conseguir os seus objetivos, nem que para isso tenha que extrapolar os seus próprios limites.
Mendes é um retrato de muitas peças de um tabuleiro de xadrez em guerra pela audiência, das quais elaboravam situações imprevisíveis, mas sem pensar em suas consequências. Só assim para explicar a presença da cantora Gretchen (Emanuelle Araújo) que surge na trama rebolando, deixando a mostra a sua calcinha em pleno palco em meio às crianças e sintetizando a ganância e a imprevisibilidade da qual eles usavam sem pestanejar para conseguir o topo do sucesso. Dito isso, a produtora crente Lucia (Leandra Leal), se torna não somente o interesse romântico do protagonista, como também a voz da razão para ele, mesmo em meio a luzes, cores, drogas e bebidas.
Esses vícios dos quais o protagonista experimenta estão presentes, mas não sendo eles exatamente os principais vilões da trama. Aliás, o filme é bem corajoso ao colocar duas conhecidas emissoras do Brasil, mesmo com nomes readaptados para trama, como os verdadeiros algozes da descida do protagonista para o inferno. Portanto não deixa de ser irônica a presença do apresentador Pedro Bial, interpretando o dono de uma dessas emissoras e sendo que responsável, mesmo que indiretamente, pelo momento mais difícil da vida do protagonista.
Infelizmente o cineasta pecou ao explorar muito pouco da redenção em que o personagem busca em alcançar. Quando o personagem se encontra na corda bamba, a situação rapidamente se estabiliza e tornando um momento importante como esse meio que inverossímil. Contudo, isso não destoa o resto do filme, mas que se tivesse sido mais bem trabalhado teria sido então um ato final perfeito. 
Apesar deste deslize, Bingo - O Rei das Manhãs é um filme brasileiro perfeito, do qual retrata uma década de 80 cheia de luzes, cores e de uma aura politicamente incorreta e sedutora. 




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