quarta-feira, 29 de março de 2017

Cine Especial: Entrevista com o cineasta Marcelo Muller



 Marcelo Muller (dir) e o ator Anderson Di Rizzi (esq)

Confira a entrevista que eu fiz com o cineasta e roteirista Marcelo Muller, cujo o seu primeiro trabalho atrás das câmeras (Eu te Levo) estreia em breve em nossos cinemas.
 
Depois de muito tempo como roteirista, como foi à experiência na cadeira da direção pela primeira vez?

- É engraçado porque antes de estudar roteiro, eu estudei direção então a minha primeira formação acadêmica como estudante é a direção. O roteiro na verdade, foi um encontro pelo “Infância Clandestina” que foi a primeira vez que eu escrevi um longa a partir de um processo de colaboração com um outro diretor. Eu gosto muito das duas cadeiras, acho que são complementares. São duas funções que estão preocupadas em contar histórias, em construir universos e acho que um bom roteirista tem que entender como é sentar na cadeira de diretor, e um bom diretor tem que saber muito de como se conta. Nessa área temos que ser bastante coisa, eu sou roteirista, diretor, às vezes arrisco na produção – principalmente de televisão, sou professor de cinema, pesquisador,etc. Acho que o audiovisual é um universo tão fantástico que nos dá a oportunidade de navegar por diversas funções e ir aprendendo de todas as outras para fazer cada vez melhor. 


O filme é uma ficção ou tem muito de você na trama?

- O filme é uma ficção sim, mas que foi feita num espaço familiar. Ele acontece na cidade onde eu nasci e vivi até os 19 anos e aí nesse processo de aproximar uma trama com um personagem ficcional de um universo familiar, eu levei as locações para ambientes familiares mesmo. Então a casa onde filmamos, a casa do Rogério, é a casa onde meu pai nasceu e morou até casar, é a casa dos meus avós. A loja do Rogério, é a loja do meu avô que ainda funciona normalmente, não é a loja de ficção do filme, mas que leva o nome real da loja. Mas nesse sentido o personagem, principalmente, se aproxima desse universo familiar porque é um universo de gente comum, de uma família de descendência de imigrantes numa cidade do interior do país, uma cidade industrial que passou por uma porção de mudanças e um crescimento enorme, que foi um processo que acompanhei e vejo refletido em muita gente. Isso condiciona toda a história, faz com que o filme seja mais intimista e que os personagens sejam até um pouco mais, de certa maneira, reais e menos cinematográficos. São personagens inspirados em pessoas que eu vi, que eu conheço, misturados num universo que tem um realismo muito forte e importante. É uma ficção familiar, sem falar diretamente da minha família, mas nesse espaço que pertencem a esse tipo de família do interior.


Como foi a escolha do elenco?

 - Como o personagem do Rogério é triste, eu queria que o ator que fosse representar não fosse triste. Então a principio, estávamos procurando até comediantes pra fazer esse personagem para que ele pudesse ter, mesmo com tanta angustia, ter uma energia interior que pudesse me fazer acreditar que ele pode sorri. O Anderson se encaixa bem nisso, ele é um ator alegre que costuma fazer personagens positivos, ele não faz dramas, não é um galã. Ele é muito interessante nesse sentido então quando eu pensei no Anderson e pesquisei o trabalho dele, por indicação de alguns amigos que sabiam da produção executiva do filme, eu achei que ele funcionaria perfeitamente para esse personagem. A Rosi não precisa de explicação, é uma atriz maravilhosa e o Giovanni Gallo é outro que eu gostava muito do trabalho e achei que encaixava muito nessa atitude despojada do Chris, que é o personagem dele.  


Porque a opção pela fotografia em preto e branco?

 Foi um longo processo pra chegar no PB. Porque eu, a equipe, e as pessoas envolvidas na construção do filme achamos que tem uma conexão muito forte essa ausência de cor com a história que a gente está contando e o roteiro. O filme tem uma opção estética minimalista, tanto que tem uma piada interna que a gente fala que tiramos até a cor do filme pra poder expressar essa ausência de cor da vida do personagem mas, eu acho que o que mais influenciou na decisão, é que como o personagem expõe muito pouco o seu interior, se decidiu que era mais interessante, ao mesmo tempo que o público tem que imaginar o que está acontecendo dentro do Rogério, ele também ter que imaginar as cores que estão por trás desses tons de cinza. Isso é de verdade, quando assistimos o filme PB, vemos insconscientemente as cores, intuimos as cores e preenchemos essa ausência de cores com coisas da nossa cabeça. O filme convida o telespectador a preencher esse silêncio e essa falta de informação do que está acontecendo dentro do personagem, com algo que ele mesmo possa criar. É um convite a participar e acredito que a imagem do filme passa essa sensação, principalmente se visto no cinema, em tela grande como teremos a oportunidade de ver a partir da semana que vem. 


Em sua opinião, porque no Brasil está cada vez mais havendo o crescimento da chamada geração Canguru?

 Mais do que o Brasil, acredito que esse seja um fenômeno mundial. Conheço gente de vários países diferentes que tem a mesma questão: a liberdade de poder querer alguma coisa e a dificuldade de colocá-la em prática. Esse inferno que é a sociedade contemporânea. De fato eu tenho visto isso – a questão da geração canguru- com meus amigos que vão de Jundiaí – onde se passa a história- até Buenos Aires, São Paulo. A geração Canguru tem uma relação afetiva com a família, esse afeto conflituoso e complicado. Acredito que seja mundial e não só aqui. 


O filme toca em alguns pontos com relação ao quadro político atual no Brasil e de como anda dividindo a opinião das pessoas. Foi proposital ou mera coincidência durante o desenvolvimento do longa?   

Tudo no filme é proposital de alguma maneira, mesmo que eu obviamente não pensasse que a situação política do Brasil seria essa quando o filme fosse lançado. O Rogério é um personagem que reflete sobre o mundo que circula, tem valores bastante claros para ele ou pelo menos os limites do quão flexível a gente pode ser na vida, e ele toma decisões a partir da maneira que ele lê o mundo. Se a situação do país se agravou de lá pra cá, de quando o filme foi filmado ou o roteiro foi escrito, é consequência daquilo que a gente estava começando a perceber naquele momento. Na verdade, a coisa mais especifica em relação a política ou ao quadro social brasileiro que tem no filme, é o conflito entre a visão que se tem do policial militar e do bombeiro. Um é o herói e o outro é um personagem mais complexo e que muitas vezes pode ser injustiçado também. Então se colocar nos pés de quem quer ser bombeiro e que para isso, precisa ser policial militar, porque é assim que funciona em São Paulo. Ou o simples fato de ser militar, de qualquer maneira, ter esse tratamento diferente da sociedade ou ter que exercer a autoridade, esse poder coercitivo é muito complicado para um personagem como o Rogério. E hoje a gente vive um momento onde existe mais conflito em relação a isso, a gente ta vendo todos os dias, o conflito na rua e todo ato. Então a critica e o posicionamento é do personagem que tem aqueles valores e que não vai traí-los. Ou talvez vá. Mas, o País continua se aprofundando nessa crise que já era vista quando começamos a escrever.O filme se relaciona bem com a realidade e é um filme atual, mesmo sendo em preto e branco, é um filme atual. Pelo menos essa é a minha opinião como diretor e um dos autores do filme.
   Marcelo Muller (dir), o ator Anderson Di Rizzi (esq) e técnicos

Confira a minha crítica sobre o filme clicando aqui


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